Hoje, em todos os cantos do país, os cemitérios são preenchidos com flores. São centenas, talvez milhares de arranjos caprichosos enfeitando os lápides dos que já partiram. Rosas, lírios, crisântemos, cada flor uma homenagem, um tributo às vidas que foram. Mas, para muitos, essas flores são o primeiro gesto de carinho verdadeiro – e o último, numa ironia dolorosa. Por que, afinal, muitas dessas homenagens acontecem apenas quando uma pessoa já não está mais aqui para senti-las?
Para muitos, essa tradição revela algo profundo sobre nossa relação com a morte e, sobretudo, com os vivos. Amigos, familiares, conhecidos passam anos ao lado uns dos outros, mas deixam o carinho e o reconhecimento para outro dia, que nem sempre chega. A morte, então, se torna um lembrete implacável de tudo aquilo que não foi dito e feito. As flores, os abraços tardios e as visitas ao cemitério são como um pedido silencioso de desculpas, uma tentativa de concordar com o passado – uma tentativa de sentir-se em paz com o que ficou para trás.
A correria e a pressa de nossas vidas modernas levam muitos a esquecer que o verdadeiro afeto não precisa de grandes momentos, mas se constrói no dia a dia, em gestos simples. Ainda assim, é comum que se adie o amor para uma ocasião especial, um encontro que nunca chega. O cemitério se torna então o cenário de um remorso silencioso. E isso não é de agora; essa prática já é observada há séculos, como se visitar túmulos possíveis, consciência aliviada, mesmo que tarde demais.
É claro que as visitas e os tributos aos entes queridos são gestos que demonstram respeito e consideração pela memória de quem partiu. Mas, para muitos, essas flores não deixam de ser uma ironia. Quantos daqueles que agora recebem as mais belas coroas de flores não desejariam ter recebido um abraço, uma palavra de carinho, um gesto de acolhimento em vida?
Fica a reflexão: essas projeções de afeto podem ser feitas hoje, em vida, por que deixá-las para o depois? Estender a mão a quem amamos enquanto ainda não exigimos muito. Talvez seja hora de nos perguntarmos se a homenagem mais bonita que podemos fazer é para quem ainda está aqui, ao nosso lado, podemos enquanto tocar, sorrir e dizer palavras que não se perdem no silêncio das lápides.
Neste Dia de Finados, as flores são um tributo bonito e tradicional, mas talvez mais significativo seria fazer essas homenagens diárias a quem ainda está entre nós. Afinal, o amor verdadeiro se faz presente quando ainda há tempo para compartilhar.
Leave a Reply